QUAL A IDADE CERTA PARA SONHAR?
- anapaulafreire
- 28 de mar. de 2024
- 3 min de leitura
Gosto muito de analogias, estórias da carochinha e ditados populares. Para mim, aquela máxima de que "onde tem regra, tem história” é quase uma verdade absoluta. E ainda que eu seja uma otimista inverterada, uma frase dita pela atriz Audrey Tautou no filme O fabuloso destino de Amélie Poulin, me traz de volta à realidade dura e fria em que vivemos: “São tempos difíceis para os sonhadores”. E são mesmo! E hoje quero compartilhar com vocês esse assunto: SONHO.
No mundo em que vivemos, somos bombardeados o tempo todo por informações. Elas vêm de diversas fontes: da TV, do vizinho, do outdoor e principalmente, do nosso celular. A dúvida não tem muito tempo para se estabelecer: basta pegar o celular, questionar o assistente de voz e, em poucos segundos, a resposta está ali, na palma da mão. Se o sonho vem de uma vontade e está acompanhado de muitas incertezas, ao sabermos de tudo imediatamente, será que temos tempo para sonhar? E falo tempo mesmo. Colocar uma cadeira na calçada e ver o fim de tarde chegar. Deitar minutos antes de dormir e imaginar aquilo que se deseja. Ou ainda, tomar um café e se perder nos pensamentos sem o alarme do celular tocar. É... quem gosta dessas coisas tem passado tempos muito difíceis. Será que devemos colocar nas nossas agendas um tempo para sonhar? Imagine que você em casa e, no meio da tarde, o alarme do seu celular toca com o seguinte lembrete: TEMPO PARA SONHAR. Ou você está no trabalho e, para tirar o seu intervalo, o celular desperta com a mesma mensagem. Seria pelo menos, esquisito.
Imagino que você deva estar se perguntando: que papo é esse que essa menina está trazendo? Quero somente dividir com você uma experiência que mexeu comigo e me fez impulsionar projetos que estavam na gaveta, dependendo de combustível para alavancarem.
Há alguns meses venho seguindo no Instagram uma livraria pequena, mas muito incrível, chamada SORTIR. Ela apoia muitos escritores independentes e disponibiliza os livros físicos por uma taxa justa (no meu ponto de vista). Além disso, há um espaço maravilhoso no subsolo para coworking e promoção de diversas ações literárias. Em uma dessas ações, a SORTIR promoveu uma feira de escritores. Nada parecido com a Bienal do Livro, ao contrário, estavam lá todos os autores independentes, expondo suas obras, vendendo-as e trocando experiências sobre como escrever no Brasil. O público era compatível: pessoas que amam a leitura pelo simples fato de ler. Eu os apelidaria de sonhadores. E dentre esses autores, estava o senhor Arnaldo, o personagem que mexeu com meu coração.
Seu Arnaldo é um senhor de meia altura, repentista, nascido no Rio Grande do Norte. Publicou, aos 105 ANOS DE IDADE, sua obra escrita em 1947: A Jovem Margarida e as Proezas do Amor. O cordel perfeito, com 143 estrofes todas em sextilhas (cada estrofe tem seis versos e, cada verso, tem sete sílabas poéticas). Cercado de musicalidade e rimas, Arnaldo Júlio Barbosa conta a história de amor da jovem Margarida que foi obrigada a se casar com Josino, mas amava Divino. O que mais me deixou impressionada não foi a história da jovem Margarida, mas a do Seu Arnaldo, que escreveu essa história linda na década de 40, mas sua publicação só aconteceu quando seus netos encontraram seus escritos e, juntos, custearam a obra.
Conheci Seu Arnaldo aos 105 anos, sentado atrás de uma mesa de madeira, autografando suas obras para aqueles que a compravam. Duas de suas netas são responsáveis por divulgar a obra e levar Seu Arnaldo onde o seu livro estiver. Elas dizem que, ao saber que terá uma exposição, Seu Arnaldo se enche de um vigor inexplicável, que o sustenta durante todo o período que for necessário. Para mim, a história do Seu Arnaldo se resume em uma estrofe: “À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo” (Tabacaria – Álvaro de Campos). E para você, ainda há tempo para sonhar?

Eu, meu esposo e o Seu Arnaldo, depois de autografar meu livro. Fev,2024.
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